quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sofrimento Opcional

     Não é apenas o "se" que nos leva para fora da realidade. O "se" tem um irmão de sangue chamado de "quando" que pode ser tão nocivo quanto o primeiro. Frases referentes ao passado como "quando eu era jovem, deveria ter estudado mais", ou referentes ao futuro como "Quando meus filhos tiverem condições de entender, vou me separar do meu marido", são construções sobre fatos irreais, fora das circunstâncias do aqui e agora. Ou são pesos mortos, ossos do passado que carregamos no presente, ou justificativas apoiadas em condições vindouras para legitimar o fato de não se fazer o que se gostaria de fazer, ou de não se fazer o que deveria ser feito. Ao fixar nosso pensamento no presente, naquilo que é, não lamentamos o passado nem condicionamos nossa iniciativa às circunstâncias que ainda não existem. A realidade basta por si. Tem de bastar.
     Toda e qualquer atitude deve ser tomada em função da realidade, da situação real do presente e não em função do passado consumado ou do futuro incerto. Quando se diz "é assim que é" ou " a situação é essa", não se busca resignação, mas a compreensão clara da realidade para, a partir dessa realidade, tomar uma atitude. O passado é imutável, o futuro é imponderável e ambos ilusões. Nenhum deles existe no presente e por isso mesmo não são motivos legítimos para causar tantos problemas em nossa vida.
      Não são os fatores externos que nos causam sofrimentos. Nós é que sofremos por fatores externos. Carlos Drumond de Andrade dizia que " a dor é inevitável, o sofrimento é opcional". O sentir Dor é natural, simplesmente porque a dor existe. Já cultivar o sofrimento é antinatural. Nenhum animal guarda ressentimentos do passado nem fica apreensivo com o futuro. O animal apenas vive o momento, vive a realidade. Vive aquilo que é, não o que ele acha que deveria ser ou ter sido.
       Passarinhos gostam de frutas. Se estiver numa goiabeira e não tiver nenhuma goiaba na árvore, o passarinho vai atrás de outra fruta ou inseto qualquer. Não faz drama nem fica "chorando as pitangas"( ou goiabas) pelos cantos da casa, ou melhor, pelos cantos do ninho.
Quando um passarinho está num pessegueiro, não diz: "Droga! Pêssego de  novo? Eu comeria goiabas!" Ele come o pêssego e canta feliz. Ele não opta pelo lamento ou pelo sofrimento. Também não diz: "Quando esse pessegueiro der goiaba, eu vou matar minha fome". A realidade é que , para o pássaro, pessegueiro dá pêssego e goiabeira da goiabas e ele está satisfeito com isso.

Fonte: A Sabedoria da Natureza - Taoísmo, I Ching, Zen e os ensinamentos essênios - Roberto Otsu